Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Câmara, avisou aos líderes partidários que vai pautar a anistia de 8 de janeiro. O recado saiu de uma reunião na residência oficial na terça-feira, 16 de setembro de 2025. O alvo imediato é a urgência do projeto — um teste de força que pode ocorrer já nesta quarta. Se a urgência passar, o texto vai direto ao plenário, sem comissões. Se cair, o recado político também fica dado.
O desenho em discussão não é o rascunho original apresentado por Sóstenes Cavalcante (PL-RJ). Ganhou corpo uma versão enxuta, apelidada de “light”, que preserva as condenações de cúpula e não alcança o ex-presidente Jair Bolsonaro. É a mesma linha que Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), presidente do Senado, vem estimulando nos bastidores: aliviar para quem teve papel periférico nos atos e blindar os que chefiaram ou planejaram a ofensiva contra as instituições.
Motta informou aos líderes que comunicou a decisão a Luiz Inácio Lula da Silva na véspera, em conversa no Alvorada. Lula manteve a posição: é contra qualquer tipo de anistia para os eventos de 8 de janeiro. No governo, porém, há quem enxergue a votação como uma válvula de escape — um modo de tirar o tema do centro da agenda e destravar pautas econômicas e administrativas que se arrastam por causa da pressão do tema.
O cálculo no centrão é pragmático. Colocar a urgência em votação permite medir votos, dar satisfação às bases e, se necessário, empurrar a discussão para o Senado, onde uma alternativa mais calibrada já circula. Líderes próximos a Motta, inclusive, projetam que a urgência pode ser derrotada. A derrota, neste caso, seria um movimento controlado: reduz o ruído político e devolve o assunto ao trilho da negociação entre as Casas.
O pano de fundo é a herança do 8 de janeiro de 2023, que gerou centenas de ações penais no Supremo Tribunal Federal, com penas altas para organizadores e financiadores e sentenças mais brandas para quem foi enquadrado por crimes como dano, incitação e associação criminosa. A temperatura segue alta: para integrantes da base governista, qualquer anistia flerta com a impunidade; para bancadas de direita, o STF foi duro demais com réus sem papel de comando.
O conceito de “anistia light” virou a peça central da barganha. Ela não traria “perdão judicial” amplo nem reverteria condenações de alto escalão. A ideia é mirar nos réus de menor periculosidade, com previsão de extinção da punibilidade ou ajuste de efeitos penais para delitos menos graves. Os detalhes, contudo, seguem em disputa, e o diabo mora nas exceções.
Nos bastidores, interlocutores do centrão listam balizas que tendem a nortear qualquer texto viável no Congresso:
Há, ainda, a engenharia política. A urgência precisa de maioria simples, com quórum alto, para ser aprovada. O PL tende a pressionar por um perdão mais amplo; a federação governista deve fechar questão contra; e o centrão negocia redação e timing. Se a urgência vencer, a Câmara pode votar o mérito ainda nesta semana. Se perder, a bola quica no Senado, com Alcolumbre mediando um texto alternativo.
O governo joga em dois tabuleiros. No discurso público, defende responsabilização exemplar como antídoto a aventuras golpistas. Na tática, admite uma solução que feche o assunto sem reabrir feridas: aliviar quem não liderou nada, sem dar fôlego a quem articulou os ataques. É uma linha fina. Qualquer passo em falso vira munição para a oposição — que acusa perseguição — ou para a base — que enxerga risco de anistiar excessos antidemocráticos.
Juristas lembram que o Congresso tem competência para conceder anistia, mas o Supremo pode delimitar seus contornos se o texto violar cláusulas constitucionais. Ou seja, mesmo que a “light” passe, a última palavra sobre alcance e efeitos tende a ser do Judiciário. Isso aconselha moderação técnica na redação e clareza sobre quem está dentro e quem está fora.
Por que o tema voltou com tanta força agora? Porque trava a pauta. Enquanto a anistia ronda o plenário, projetos de impacto fiscal, regulação econômica e nomeações ficam no limbo. Líderes avaliam que uma votação — ainda que para rejeitar a urgência — ajuda a desobstruir as fileiras e reorganizar prioridades, do orçamento às medidas provisórias que estão vencendo.
Para as famílias dos condenados, a “light” acena com um desfecho menos traumático para casos sem violência. Para entidades de defesa da democracia, o risco é abrir um precedente perigoso num país que ainda tenta fechar as contas com a crise institucional de 2023. No meio disso, a política busca um ponto de equilíbrio que passe no teste do plenário, sobreviva ao crivo do STF e, principalmente, encerre um capítulo que consome tempo e energia do Congresso há quase dois anos.
O roteiro imediato: líderes contam votos para a urgência; governo e oposição calibram discursos; o Senado observa. Se houver derrota controlada na Câmara, Alcolumbre ganha protagonismo para costurar um texto de consenso. Se a urgência passar, a disputa sobre o mérito será rápida e intensa — e cada vírgula do projeto pode definir quem sai anistiado e quem seguirá cumprindo pena.