O Palmeiras vive um dos momentos mais tensos da era Abel Ferreira. Com contrato vigente até dezembro de 2025, o técnico português — que lidera o clube desde novembro de 2020 — enfrenta uma temporada de altos e baixos que colocam em xeque sua permanência, mesmo enquanto a presidência insiste em mantê-lo até 2027. O Allianz Parque, em São Paulo, já não é mais o refúgio da confiança que foi nos anos de títulos. Agora, é palco de questionamentos, pressão e um jogo de palavras entre o treinador e a diretoria.
Leila Pereira, presidente do Palmeiras e CEO das empresas Crefisa e FAM, não esconde seu desejo: quer Abel Ferreira no comando até o fim de seu segundo mandato, em 2027. Foi ela quem, em janeiro de 2024, anunciou a renovação do contrato do treinador até o final da temporada 2025, evitando que ele seguisse para o Al-Sadd, do Catar, após uma polêmica disputa jurídica com a FIFA. "É uma grande notícia para o nosso torcedor, para a instituição e para o Abel também", disse na época. Mas agora, com a temporada 2025 em curso, o cenário mudou.
Os números não mentem. Em 47 partidas disputadas em 2025, o Palmeiras já acumula oito derrotas — mais da metade das 12 que teve em toda a temporada de 2024, quando jogou 67 jogos. E não são derrotas quaisquer. Foram eliminações precoces na Copa do Brasil contra o Corinthians, e reveses decisivos no Campeonato Brasileiro Série A 2025, onde perdeu pontos cruciais na briga pela liderança. Em anos anteriores, o Palmeiras era sinônimo de estabilidade sob pressão. Hoje, a equipe oscila entre jogos brilhantes e atuações confusas, sem ritmo, sem identidade. O que antes era rotina — vencer quando precisava — virou surpresa.
Na entrevista coletiva após a vitória sobre o Criciúma, no Allianz Parque, Abel soltou uma frase que virou meme: "Se calhar, se a Leila quiser, se jogarmos semana a semana, consigo ficar aqui até 2027 ou 2030." Mas por trás da ironia, há uma condição clara: ele não quer mais um calendário esmagador. A carga de jogos — com Libertadores, Brasileirão, Copa do Brasil e compromissos de seleção — está esgotando o elenco e o próprio treinador. "Não é só sobre contrato. É sobre saúde, sobre tempo para recuperação, sobre qualidade de vida", disse um assessor próximo ao técnico, sob anonimato. A diretoria, por outro lado, não vê como reduzir a agenda. O futebol moderno exige volume. E o Palmeiras, como um dos maiores clubes da América do Sul, não pode abrir mão de competições.
A presidente não é apenas a líder do clube. É também a dona das empresas que patrocinam o Palmeiras desde 2015. Isso gera críticas — e também uma relação única com o técnico. Enquanto outros presidentes negociam com patrocinadores externos, Leila tem poder direto sobre os recursos. Mas isso também torna seu desejo por renovação mais complexo: será que quer Abel por mérito, ou porque ele é o único que consegue vencer com o orçamento que ela permite? Em entrevista à TNT Sports, ela foi clara: "Não conversei ainda com Abel sobre renovação. Mas ele sabe do meu desejo." E isso é suficiente? Talvez não. Porque o técnico, por mais vencedor que seja, não é máquina. E a equipe, por mais talentosa que seja, não é invencível.
Curiosamente, mesmo o candidato de oposição às eleições presidenciais do clube, Savério Orlandi, reconhece o valor do treinador. "Se eu for eleito, ele será peça central do projeto", disse Orlandi, que disputa a presidência com base na Academia de Futebol, no Barra Funda. Isso mostra algo importante: o respeito por Abel transcende a gestão atual. Ele é visto como um símbolo de estabilidade — mesmo quando os resultados não estão perfeitos. Mas o tempo está correndo. E o futebol, como todos sabem, não espera.
A reta final da temporada é o que define tudo. Se o Palmeiras chegar à última rodada do Brasileirão com chances de título, ou se conquistar a Libertadores, a renovação será celebrada como um acerto de gestão. Mas se a temporada terminar em frustração — sem títulos, com críticas acirradas e um elenco desgastado — o fim de 2025 pode ser o fim de uma era. O próprio Abel já deixou claro: ele não quer ficar por obrigação. Quer estar em um ambiente onde o futebol ainda seja prazer, não sofrimento. E se o calendário continuar assim, talvez ele não queira ficar nem até 2025.
Abel Ferreira transformou o Palmeiras em uma máquina de conquistas. Três Brasileirões, duas Libertadores, uma Copa do Brasil. Mas os títulos não são eternos. O que sustenta um treinador por tanto tempo é a confiança, a estrutura e, acima de tudo, a harmonia. Hoje, essa harmonia está sob tensão. A diretoria quer mais. O técnico quer menos. O elenco quer equilíbrio. E o torcedor? Ele quer vencer. Sempre. E se isso não acontecer em 2025, o nome de Abel Ferreira pode deixar de ser sinônimo de glória — e passar a ser lembrado como o último grande técnico de uma era que já não existe mais.
A diretoria prefere esperar o final da temporada para avaliar o desempenho real da equipe, especialmente após uma fase instável em 2025. Renovar antecipadamente poderia ser visto como falta de pressão ou desinteresse em melhorar o elenco. Além disso, o próprio Abel condiciona sua permanência a um calendário mais viável — algo que o clube ainda não consegue garantir.
O clube catariano alegou que Abel assinou um pré-contrato vinculativo em 15 de novembro de 2023 para assumir a equipe em dezembro daquele ano. Mas o Palmeiras anunciou a renovação do técnico em 16 de janeiro de 2024, antes da FIFA se manifestar. O caso foi arquivado sem multa, mas gerou tensão diplomática e mostrou o valor de Abel no mercado internacional.
Entre 2021 e 2023, o Palmeiras teve menos de 10 derrotas por temporada, com média de 75% de aproveitamento. Em 2025, já são 8 derrotas em 47 jogos — 17% de aproveitamento negativo. A diferença está na consistência: antes, o time vencia mesmo sem jogar bem. Hoje, perde quando deveria vencer, especialmente em jogos decisivos.
Como dona dos principais patrocinadores do clube, Leila tem controle direto sobre o orçamento. Isso permite que ela mantenha um time competitivo mesmo sem grandes investimentos. Mas também cria conflito de interesses: se Abel sair, quem garante que o novo técnico terá o mesmo apoio? Ela precisa dele para manter a imagem de sucesso — e ele precisa dela para ter estabilidade.
Nomes como Fernando Diniz, Cuca e Marcelo Oliveira já foram mencionados, mas nenhum tem o histórico de conquistas internacionais de Abel. Um candidato externo, como o argentino Diego Simeone, seria uma surpresa, mas o clube tende a preferir treinadores que já conheçam o futebol brasileiro. A busca será por alguém que combine experiência, disciplina e capacidade de lidar com pressão — como Abel fez.
A pressão popular pode ser decisiva. Nos últimos anos, manifestações de apoio ao técnico nas redes sociais e nas arquibancadas ajudaram a fortalecer sua posição. Mas também há setores que pedem mudanças. O clube observa o clima do torcedor — e se a reação for massiva, mesmo que negativa, isso pode acelerar decisões. Afinal, o Palmeiras vive de emoção — e o torcedor é quem a alimenta.